Em uma sociedade saturada de estímulos e distrações, muitas de nossas tarefas acabam relegadas a segundo plano, principalmente aquelas que exigem um maior nível de dedicação e comprometimento. Imagine a cena: você precisa entregar um artigo ao seu professor ou uma demanda de trabalho importante. No início, há um ímpeto de empolgação e organização — uma vontade de se engajar plenamente no trabalho que está por vir. Contudo, à medida que a rotina se impõe, outras obrigações, tarefas domésticas e o simples desejo de relaxar desviam sua atenção, levando a um ciclo de adiamento que se torna familiar para muitos. Cena familiar, não é?
A procrastinação, que aflige grande parte das pessoas e aparece como foco de preocupações no consultório clínico, pode ser entendida na perspectiva psicanalítica como um fenômeno que revela não apenas a dificuldade de cumprimento de tarefas, mas também as complexas dinâmicas entre desejo, tempo e subjetividade. Lacan sugere que o tempo não é uma mera sequência de momentos, ele é uma construção subjetiva que pode ser experimentada de forma caprichosa e até cruel. Essa perspectiva nos convida a considerar a procrastinação não apenas como uma falha em gerenciar prazos, mas como uma resposta às tensões emocionais e psíquicas que surgem diante dessas exigências.
Um dos aspectos centrais da procrastinação é o conflito interno entre o desejo de agir e o medo do fracasso. A expectativa de produzir algo valioso gera, por um lado, grandes motivações, como o desejo de reconhecimento, aprovação e satisfação pessoal. Por outro lado, essa expectativa também pode se tornar uma forte fonte de ansiedade, levando o sujeito a evitar a tarefa — um fenômeno que podemos chamar de defesa psíquica. O desejo, que deveria ser um motor produtivo, torna-se um fardo que requer manejo cuidadoso.
As redes sociais intensificam essa dinâmica de forma significativa. O discurso capitalista, segundo Lacan, faz uso da promessa de prazer imediato e do consumo incessante para afastar o indivíduo da reflexão crítica sobre seu próprio tempo e do que realmente valoriza. A exposição constante a conteúdos atraentes e interações sociais instantâneas cria um estado mental de urgência e distração que dificulta o foco em atividades mais difíceis e, por vezes, mais significativas. Nesse cenário, a procrastinação se transforma em um mecanismo de fuga, onde o sujeito busca se proteger da pressão que o imperativo social impõe. O ato de deslizar o dedo pelo feed de uma rede social pode, assim, parecer uma forma de resistência ao que se espera dele, mesmo que essa resistência resulte em um sentimento de culpa.
Além disso, ao considerar a aceleração do tempo no discurso contemporâneo, Lacan fala sobre o “demais”, o excesso, sugerindo que essa velocidade exacerbada dos acontecimentos gera um estado de ansiedade que torna a procrastinação ainda mais sedutora. A necessidade de atender a várias demandas simultaneamente pode resultar em uma paralisia diante da tarefa que realmente importa. Nesse contexto, cada vez que a pessoa opta por procrastinar, ela experimenta um alívio momentâneo; no entanto, esse alívio é transitório e frequentemente vem acompanhado por uma sensação de arrependimento ou aumento da angústia. A pressão constante para ser produtivo implica que o tempo se transforma em um campo de batalha psicológico, onde o sujeito vive a tensão entre expectativa e capacidade de resposta.
A impossibilidade de escapar desse ciclo coloca muitos em uma situação conflituosa. Eles se veem, de um lado, desejando se beneficiar da gratificação imediata proporcionada pelas redes sociais e outros estímulos e, do outro, percebendo a importância das responsabilidades que não são cumpridas. Essa batalha reflete o que Freud descreve como a luta entre o desejo e a realidade, onde a capacidade de se comprometer com tarefas importantes é frequentemente minada pela busca incessante de experiências mais imediatas — mesmo que essas experiências sejam vazias ou superficiais.
Portanto, a procrastinação não é um fenômeno isolado; ela se insere em uma complexa rede de desejos e dinâmicas sociais. Lidar com a procrastinação envolve mais do que uma simples gestão do tempo; é essencial reconhecer outras instâncias que estão em jogo. Essa dinâmica, marcada por um ciclo de evasão e conflito, nos convida a refletir sobre a condição humana em tempos de aceleração e superficialidade, onde a luta entre ação e inação se torna parte integrante da nossa experiência contemporânea. No fim das contas, resta a pergunta sobre como navegamos essas águas em um mundo que parece exigir cada vez mais de nós.