ARTIGO

Falar sobre sexo em terapia

Recentemente, em uma palestra sobre saúde sexual na qual compareci, uma pessoa compartilhou que sentia vergonha ao abordar temas sexuais em psicoterapia e perguntou se o profissional se sente constrangido ao ouvir relatos deste cunho. Essa é uma questão muito comum, e não só pode ser tema de análise, como devemos nos questionar sobre o porquê de certos temas parecerem mais espinhosos do que outros. Afinal, se a premissa de uma psicanálise ética é de que se pode falar sobre tudo sem julgamentos, por que tantas pessoas sentem que esse “tudo” exclui alguns tópicos? E o que é posto de fora?

Esses questionamentos nos levam a pensar sobre o lugar da sexualidade na clínica e na cultura. Ainda hoje, falar sobre sexualidade muitas vezes implica transgredir normas implícitas que delimitam o que é permitido ou não ser dito. Esse silêncio, no entanto, também é digno de ser investigado, na medida em que elucida, muitas vezes, questões de ordem simbólica e coletiva. Na clínica psicanalítica, é comum que o paciente sinta embaraço ou culpa ao abordar questões sexuais, muitas vezes por julgamento próprio ou por carregar consigo fantasias sobre o que o analista poderia pensar.

O trabalho de um analista, nesse sentido, não é oferecer respostas normativas ou prescrever condutas, mas construir um lugar onde a fala sobre a sexualidade possa emergir sem ser automaticamente decodificada/categorizada ou inserida em moldes morais. Isso implica escutar sem antecipar conclusões, sem tentar normalizar ou patologizar o desejo. Freud já indicava que a sexualidade é estruturante para a subjetividade, e Lacan aprofundou essa questão em suas elaborações sobre o desejo ser marcado pela falta – trata-se da busca por um objeto que nunca é plenamente alcançado. Isso quer dizer que compreender a sexualidade requer aceitar sua dimensão enigmática, seu caráter de deslocamento e transformação.

Outro ponto crucial é reconhecer que a dificuldade em falar sobre sexualidade não se restringe apenas aos pacientes. Profissionais da psicologia e da psicanálise também são atravessados pelas mesmas normas culturais e podem sentir desconforto diante de certos temas. É fundamental que os próprios analistas se interroguem sobre suas resistências, já que elas podem se tornar obstáculos para a escuta do outro. A supervisão clínica e a análise pessoal são ferramentas essenciais para que nós, enquanto profissionais, possamos reconhecer nossos próprios impasses e permitir que a escuta do discurso do paciente se desenrole sem intercorrências.

Pensar a sexualidade também envolve considerar sua dimensão política e histórica. A maneira como falamos ou deixamos de falar sobre sexo não é neutra, mas atravessada por discursos de poder. Quem pode expressar seu desejo sem sofrer represálias? Quais corpos são considerados legítimos no campo do desejo? Essas são perguntas que ultrapassam o âmbito individual e apontam para a necessidade de uma escuta clínica que não se limite a uma perspectiva normativa, mas que acolha as singularidades de cada sujeito em sua relação com o desejo e com o outro.

Desde cedo aprendemos a associar a sexualidade a algo que deve ser reprimido ou controlado dentro de certos parâmetros de aceitação social. Foucault já apontava como a sexualidade foi se tornando objeto de regulamentação ao longo da modernidade, passando por discursos médicos, religiosos e jurídicos que tentavam definir seus contornos legítimos. Em “A História da Sexualidade” (1976), ele explora como a sexualidade foi gradualmente transformada em um campo de saber e controle, destacando, por exemplo, o papel da medicina na patologização de certas práticas e identidades sexuais, como a homossexualidade, que foi historicamente tratada como desvio ou doença. A psicanálise, por sua vez, nos ensina que o sexual não se acomoda às normas, sendo sempre marcado por uma dimensão de excesso, falta e diferença. Se o desejo não tem um lugar fixo, se pode se deslocar de maneira imprevisível, então onde nos situamos diante dele?

Falar e pensar a sexualidade em análise significa sustentar um espaço onde o desejo possa ser articulado sem medo ou censura, onde as fantasias possam ser elaboradas e onde a palavra circule sem a necessidade de adequação a padrões preestabelecidos. Mais do que buscar uma verdade sobre a sexualidade do sujeito, trata-se de permitir que ele próprio construa sua relação com o desejo, suas angústias e suas questões, sem a expectativa de uma resposta definitiva.

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